Pequei. Não tive escolha?
Ser tentado não é o mesmo que pecar. Algumas pessoas ficam intranquilas por terem sido tentadas, achando que o Senhor as condena por isso. A tentação aponta para uma eventual fraqueza que possuímos e origina-se sempre de dentro (nossas próprias concupiscências)[i], porém só dá lugar ao pecado se cedermos.
Quando estamos na iminência de vacilar, é necessária uma enérgica decisão de honrar a Deus, dizendo para si mesmo: “Eu não preciso pecar. Eu estou morto para o mundo. A vida que agora vivo, vivo para honra e louvor de Cristo, que me redimiu com o seu sangue.” - isso para os que estão em Cristo, que são nova criatura - Jesus nos ensinou a orar pedindo ao Pai que não nos deixasse cair em tentação. Com frequência precisamos usar esse recurso.
Porém, infelizmente, isso não funciona sempre. Não sei se ocorre com todos; tenho visto que há pessoas que têm fraquezas nas quais caem com certa constância. Paulo parecia também sofrer problema dessa natureza, quando confessou certo espinho na carne. Ninguém sabe o que foi esse mal, mas é possível que tenha sido uma fraqueza na carne. Por mais disciplina que possamos submeter nosso corpo e mente, parece que há situações quase irresistíveis, nas quais dificilmente obtemos êxito se resolvermos enfrentar.
Paulo descreveu em tom angustiado a luta que todos nós experimentamos contra nossas tendências[ii]. Enquanto o homem interior, com entendimento, deseja seguir a Lei do espírito, o homem exterior, carnal, deseja seguir o caminho oposto, a Lei do pecado. Não sabemos se há ligação entre o tal espinho na carne e essa constatação do apóstolo, mas o que chama a atenção nessa história é a resposta do Senhor a Paulo, que bem poderia ter sido essa: Paulo, você precisa fazer alguns sacrifícios para vencer essa fraqueza. Não será fácil. Se você exercitar disciplina com a carne reunirá condições para vencer seus desafios espirituais... Porém, a resposta do Senhor foi outra: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.” [iii]
Em vista disso, então podemos descansar e deixar que o pecado ganhe espaço, dando vazão às nossas fraquezas? É fácil concluir que não. A Bíblia diz que podemos resistir ao diabo[iv] mas não aos desejos que se originam em concupiscências (paixões)[v]. Por que fugir? Parece óbvio, mas a resposta a esta pergunta tem sido bastante controversa. Alguns lutam bravamente contra suas concupiscências com exercícios corporais e disciplina, apesar do que diz Colossenses 2:23. Todavia, parece que o entendimento mais adequado é que o Senhor diz que é perigoso demais arriscar. É mais prudente fugir. Quando leio este versículo, vem ao meu pensamento a imagem de buracos em uma estrada. Se pensarmos nesses buracos como pontos vulneráveis e a estrada como a aventura da vida, as coisas começam a fazer sentido. Assim como numa estrada, não adianta querer passar por cima dos buracos. Por mais disciplina, espiritualidade, santificação, coragem e destemor, poderemos cair e nos machucar. Por isso o Senhor manda desviar, fugir e não enfrentar, pelo menos até que as vulnerabilidades sejam reparadas. Essas vulnerabilidades são a nossa carne frágil, suscetível a prazeres efêmeros, incapaz por natureza de fazer a vontade de Deus. Foi isso que Paulo tentou explicar quando disse: O bem que quero não faço, e o mal que não quero esse faço. Quem me livrará do corpo desta morte?
Sabendo disso, devemos ser responsáveis a Deus. Cada um deve ficar atento antes que caia. Se cairmos, não poderemos culpar ninguém por isso. Se pensarmos com base na Palavra, pecamos porque decidimos pecar. Não somos vítimas indefesas. Jamais podemos orar ao Senhor dizendo-lhe: “Pequei porque não tive escolha!”
É fato que podemos ser fracos em determinadas áreas, mas Deus é fiel e sempre haverá uma saída. A Bíblia diz que quando a tentação vem o Senhor nos mostra a saída. Ao contrário do que dizem por aí, não somos tentados por Satanás, e sim por nossos próprios maus desejos, que nos arrastam e seduzem. Satanás não nos joga no abismo, apenas aponta o caminho. Nossos próprios maus desejos nos fazem seguir suas propostas.[vi]
Sejamos honestos: Ceder às tentações com regularidade revela que temos sido muito tolerantes com o pecado, pois sabemos onde encontrar perdão. O pecado deve ser um acidente e não uma normalidade. Precisamos desenvolver intolerância com o pecado, mas não fiados em nossos próprios recursos.
Pessoalmente, creio que a melhor arma contra os maus desejos é a precaução, procurando povoar a mente com tudo o que é justo, puro, verdadeiro, respeitável, amável, de boa fama, que haja louvor e virtude[vii]. Essa é a nossa parte: fugir da aparência do mal, obedecendo incondicionalmente à voz de nossa consciência santa, que vem do Espírito Santo falando em nosso interior. Se assim fizermos, as tentações continuarão vindo, porém haverá de nossa parte condições de identificarmos a saída que o Senhor nos indicará para não cedermos.[viii]
Não é fácil. Na verdade, significa matar um leão por dia. O crente morto para o mundo precisa ousar e desafiar a si mesmo a não pecar, pelo menos hoje[ix]. Quando a Bíblia ordena: “não pequeis”, não está tratando de algo surreal[x]. Muitos têm desconsiderado essa exortação porque acreditam que Deus foi duro demais. “Não pequeis” não quer dizer “seja perfeito e infalível”; quer apenas dizer que Deus espera que não ultrapassemos os limites de nossa consciência.[xi]
Creio que José, filho de Jacó, quando fugiu da esposa de Potifar[xii], tinha esse propósito claro e por isso foi vencedor. O processo ocorre em nosso entendimento, é gerado pelo Espírito Santo, alimentado pelo amor ao Senhor e exercido pela fé. Somos o que acreditamos. O nosso entendimento comanda o nosso procedimento.[xiii]
(Trecho do livro Culto Racional - 2010)